quinta-feira, 12 de maio de 2011

Interdisciplinariedade


HOLGONSI SOARES
Prof. Ass. do Depto. de Sociologia e Política- UFSM
Publicado no Jornal "A Razão" em 01.07.1999

"O que me importa, disse o filósofo, não são nem as pedras nem as árvores, mas os homens na cidade. Não pôde ser fiel a essa afirmação até o fim. Sua reflexão sobre os homens na cidade conduziu-o a lhes atribuir um lugar no mundo e um parentesco de substância com as pedras e as árvores" (Castoriadis).
Trabalhando sobre a situação do saber científico na contemporaneidade, Castoriadis destaca a importância da interrogação filosófica para todas as ciências, as quais passam hoje por uma situação de crise generalizada necessitando de uma reflexão profunda sobre suas categorias, sobre a relação com seus objetos, e sobre o saber que é gerado. Na verdade, este processo questiona a separação absoluta entre ciência e filosofia (e vice-versa), separação esta que impede a compreensão das problemáticas internas, do enraizamento histórico e principalmente da função social do saber científico; modelo da racionalidade técnica, cujos perigos ("riscos de grande conseqüência"-Giddens) assustam a humanidade neste final de século.
Mas a questão começa (não termina) aqui. Em conjunto com esta separação, temos aquela expressa na unidisciplinaridade, ou, "hiperespecialização", a qual impede uma visão interacional do que existe nas distintas áreas do conhecimento, e esgota-se como modelo explicativo do homem e de suas relações sociais.
Ao abordar a questão das disciplinas antropológicas (economia, direito, lingüística, psicanálise, sociologia e história), Castoriadis chama a atenção para o fato de que, entre estas, a separação se faz sentir com maior gravidade, uma vez que a unidade do objeto desafia imediatamente a dissecção científica. Questões econômicas, jurídico-políticas, psicossociais, culturais e históricas, são tratadas como nos sistemas mecânicos clássicos, de forma linear, reducionista e determinista, importando apenas "o homem na cidade", ou melhor, pedaços do homem, em partes da cidade, esquecendo-se a multiplicidade do Ser e do mundo.
Edgar Morin afirma categoricamente: "os "hiperespecialistas" são pretensos conhecedores, mas de fato praticantes de uma inteligência cega, posto que parcelar e abstrata, evitando a globalidade e a contextualização dos problemas". Propõe-nos a "epistemologia da complexidade", na qual a rigidez da lógica clássica é substituída pela dialógica, e o conhecimento da integração das partes num todo é completada pelo reconhecimento da integração do todo no interior das partes. Isto nos alerta para a importância vital da contextualização.
Notem que não se defende na prática interdisciplinar uma "unificação", na qual, a partir de uma axiomática geral, romperiam-se definitivamente as fronteiras disciplinares (e isto hoje está fora de cogitação). A interdisciplinaridade não nega as especialidades, e respeita o território de cada campo do conhecimento; o que se quer é superar a "separação extrema" entre as disciplinas, ou seja, "a separação entre disciplinas do mesmo domínio e a separação da reflexão filosófica"(Castoriadis); superar a "hiperespecialização" e trabalhar o conhecimento através de interdependências e de conexões recíprocas. Gusdorf deixa claro isto ao salientar a questão da "complementaridade", onde os especialistas trabalham conscientes de seus limites e acolhendo as contribuições de outras disciplinas.
Calvino também, não deixou fora de suas "propostas" a interdisciplinaridade. Os cinco valores apresentados para o próximo milênio, são todos interrelacionados e no último - a "multiplicidade" - destaca o conhecimento como uma rede de conexões. Encerra seu trabalho (e sua vida) valorizando as relações, e defendendo umavisão pluralística e multifacetada do mundo; buscava uma obra que "nos permitisse sair da perspectiva limitada do eu individual, não só para entrar em outros eus semelhantes ao nosso, mas para fazer falar o que não tem palavra, o pássaro que pousa no beiral, a árvore na primavera e a árvore no outono, a pedra, o cimento, o plástico..."(Calvino). Aqui se encontra com Castoriadis: "o que nos importa são sempre os homens e sua cidade. Mas sabemos que não podemos separá-lo das pedras e das árvores"; lição que já devíamos ter aprendido para superação do conhecimento tecnocrático.
No que tange aos educadores e à Universidade, num processo interdisciplinar, quero salientar Morin, quando diz: "é necessário que os educadores se auto-eduquem, e se eduquem prestando atenção às gritantes necessidades do século, as quais são encarnadas também pelos estudantes. Eis a perspectiva histórica para o novo milênio. A universidade deve ultrapassar-se para se reencontrar".





By:Jú Araujo

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